XXII. Acampamento científico sobre o gelo marinho
O clima da nossa Terra está mudando, principalmente devido à liberação de dióxido de carbono proveniente das atividades humanas, tais como a queima de combustíveis fósseis. Um dos grandes problemas decorrentes do aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera é a acidificação dos oceanos, causada pela absorção de CO2 pelas águas da superfície do mar. A acidificação é consequência da maior quantidade do gás, que desloca o sentido das reações químicas que fazem parte do sistema carbonato de tamponamento da água do mar. Desde a revolução industrial o pH do oceano já diminuiu de 0,1 unidades, ou seja, de 8,2 a 8,1 o que corresponde a um aumento da concentração de ions de hidrogênio de ~ 34%. A redução do pH oceânico tornou-se uma preocupação crescente para o futuro da vida marinha, pois esta pode ser profundamente afetada por esse fator. Por exemplo, a formação de esqueletos calcários, muito comuns em alguns organismos marinhos, é energeticamente mais caro sob valores de pH reduzidos. Esse custo não usual pode inviabilizar a sobrevivência da espécie.
Eu sou um biogeoquímico marinho e estou trabalhando no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. No meu dia a dia, faço simulações, em laboratório, das possíveis condições futuras do mar a fim de investigar como o fitoplâncton marinho, que é a base da cadeia alimentar oceânica, pode reagir às mudanças projetadas para o nosso clima. Em 2012, recebi um convite para participar em uma expedição à Antártida, liderada pelo Programa Antártico da Nova Zelândia – ANZ, para estudar como algas que crescem associadas ao gelo marinho podem reagir às mudanças químicas do sistema carbonato. Então, eu arrumei uma caixa de equipamentos e comecei minha jornada para a Nova Zelândia, de onde fui transportado pela Força Aérea dos Estados Unidos à Base Scott, na Antartida (Fig.1).
Figura 1. Localização da Base Scott, na Antártida.
O nosso objetivo nesta expedição foi o de investigar experimentalmente como algas do mar-gelo reagem às mudanças químicas do sistema carbonato e, especialmente, do pH. Nosso local de estudo estava localizado a um dia de viagem da Base Scott, em uma banquisa de gelo marinho com espessura de 1,8m, próxima ao Monte Erebus (Fig. 2).
Figura 2. As barracas de dormir sobre o gelo marinho, próximas ao vulcão ativo Mt. Erebus.
Figuras 3 e 4: Orifícios perfurados para coletar e incubar as algas do gelo marinho para nossos experimentos. |
Para alcançar nosso objetivo, nós perfuramos e coletamos bastões (testemunhos) de gelo para obter as algas que proliferam nos canais de salmoura do gelo marinho (Figs. 3 e 4). As algas foram incubadas em diferentes concentrações de CO2, a diferentes pHs (Fig. 5a). Em um segundo experimento nós mudamos apenas as concentrações de CO2 e mantivemos o pH constante (Fig. 5b). As respostas fisiológicas das algas foram estimadas pela contagem do número de células e pela quantidade de clorofila-a. As concentrações de concentrações do CO2 e os níveis de pH tiveram que ser monitoradas ao longo de todo o experimento. Para isso, nós medimos a alcalinidade e o carbono inorgânico dissolvido para descrever em detalhes o sistema de carbonato. Esse é um método de alta precisão, o que requer um grande esforço nas condições de trabalho na Antártida. A Figura 5 mostra os resultados, retirados de nossa publicação, que demonstram um efeito positivo do CO2 e um efeito negativo da diminuição de pH no crescimento das algas marinhas do gelo. Isso significa que o aumento do CO2 por si só aparentemente não seria um problema para as algas, mas que a consequente acidificação do oceano diminuiria seu crescimento. Essas alterações podem ter conseqüências até agora desconhecidas para os níveis tróficos superiores, como o krill e as baleias. Os estudos dos efeitos desses fatores no ciclo de vida e produção primária, principalmente na das algas do gelo, são muito importantes para esclarecer suas possíveis implicações.
Leitura sugerida:
Mais detalhes podem ser encontrados em:
McMinn A., Müller M. N., Martin A. and Ryan K. G. (2014). The Response of Antarctic Sea Ice Algae to Changes in pH and CO2. PLoS ONE 9(1):e86984. doi:10.1371/journal.pone.0086984.
Sobre o Programa Antártico Neozelandês: http://antarcticanz.govt.nz/
Autor:
Dr. Marius Nils Müller
Coordenador:
Prof. Dr. Vicente Gomes