XVI. Organismos de áreas costeiras rasas
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- Publicado: Terça, 11 Março 2014
Ao longo desta série, temos discutido diversos aspectos da Antártida, principalmente quanto às peculiaridades que envolvem o modo de vida e as adaptações dos organismos ao ecossistema marinho. Baleias, focas, pinguins, peixes e, mesmo o pequeno, mas abundante krill antártico são exemplos de organismos que imediatamente são remetidos à nossa memória quando se fala deste ambiente polar. Contudo, diversos e com formas variadas, são os organismos que habitam determinadas regiões marinhas do ecossistema antártico, a exemplo das áreas costeiras rasas.
Nacella concinna (Fig.1) é um molusco gastrópode (Patellogastropoda) popularmente conhecido como “lapa”, abundante nos mares rasos, desde as ilhas Georgia do Sul (54-55º S; 36-38º W), ilhas subantárticas e ao redor da Península Antártica. São conhecidos dois morfotipos, relacionados a diferentes profundidades. Em um deles, os animais possuem uma concha fina de forma achatada, sendo habitantes permanentes do infralitoral, ou seja, sempre submersos abaixo da linha da maré baixa. Animais do outro morfotipo apresentam uma concha robusta e habitam as regiões entre marés durante o verão, quando realizam migrações que acompanham a variação de marés. Durante o inverno, estes animais permanecem submersos abaixo da linha da maré baixa – uma restrição imposta pelo congelamento da superfície marinha.
A diferença de espessura das conchas parece ser uma adaptação fenotípica, uma vez que não há evidências genéticas para distinguir os dois morfotipos. A maior robustez é típica das formas de N. concinna que vivem no ambiente entre marés, pois uma concha forte suporta a ação constante dos blocos e fragmentos de gelo que ficam à deriva no verão, provenientes do derretimento das geleiras. Outro fato curioso relaciona-se à grande variação de salinidade enfrentada por estes organismos que habitam as áreas marinhas rasas da Antártida, devido ao enorme aporte de água doce, decorrente do degelo característico dos períodos de primavera e de verão. Nestas áreas, já foram observadas N. concinna vivendo aprisionadas em poças durante a maré baixa, com forte aporte de água de degelo.
Embora estes animais sejam capazes de se locomover e acompanhar as variações de maré, dependendo das características da área como, por exemplo, naquelas com baixa declividade do terreno, eles nem sempre conseguem percorrer a tempo as distancias da variação de maré, de modo a permanecerem submersos no mar. Quando isso ocorre eles ficam sujeitos às condições ambientais de baixa salinidade até a próxima maré alta. Como a maioria dos invertebrados marinhos, N. concinna são osmoconformistas, ou seja, a concentração de seus fluidos corpóreos acompanha aquela do meio em que vivem. Contudo, sabe-se também que estes moluscos são bem pouco tolerantes a baixos valores de salinidade, morrendo no curto período de 2 a 3 horas, quando mantidos em água doce. Diferentemente de outros moluscos, os indivíduos de N. concinna são incapazes de se isolarem do meio externo, através de uma rígida fixação de sua concha ao substrato. Quando tais situações acontecem, seus corpos incham pela absorção passiva de água doce e, também, perdem sais para o meio externo, o que certamente, compromete a fisiologia destes organismos.
Entretanto, estes organismos são relativamente tolerantes ao estresse fisiológicos de tais condições, de tal modo que, dependendo do período a que ficam expostos à água doce, ao retornarem ao mar, os fluídos corpóreos de N. concinna levam cerca de uma hora para normalizarem a concentração de sais. Por outro lado, exibe determinados comportamentos que auxiliam a suportar o estresse de condições extremas. Estes animais rapidamente se “destacam” de locais deixados ao ar pela maré baixa, congregando-se no fundo de poças de marés protegidas (Fig. 2), onde certas características de salinidade se mantêm apesar do aporte de água doce do degelo.
Nos próximos artigos seguiremos falando a respeito de processos fisiológicos que os moluscos N. concinna dispõem para suportarem o estresse térmico das regiões costeiras rasas do ecossistema marinho antártico.
Figura 1. Molusco Nacella concinna.
Figura 2. Grupo de Nacella concinna em poça de maré.
Veja mais fotos em: http://norb.homedns.org/nwp/misc_stuff/uai_exhibit/gallery-01.html
Leituras sugeridas:
Davenport, J. 2001. Meltwater effects on intertidal Antarctic limpets Nacella concinna. J. Mar Biol. 81, 643-649.
Hawes, T. C., Worland, M. R., Bale, J. S. 2010. Freezing in the Antarctic limpet Nacella concinna. Cryobiology 61, 128-132.
Autores: Arthur José da Silva Rocha; Maria José de A. C. R. Passos; Prof. Dr. Phan Van Ngan
Coordenador: Prof. Dr. Vicente Gomes