Pesca comercial no Banco dos Abrolhos tem afetado populações de peixes

Fonte: AUN - AGÊNCIA UNIVERSITÁRIA DE NOTÍCIAS
Pesquisa feita junto ao Instituto Oceanográfico da USP analisou manejo, população e pesca de peixes na região marinha brasileira de Abrolhos. Imagem: Wikimedia Commons.

Na costa central do Brasil há uma importante área marítima com forte atividade comercial pesqueira.  Trata-se do Banco dos Abrolhos, área oceânica que corresponde ao Arquipélago de Abrolhos, na Bahia, e também toda extensão da plataforma continental brasileira que vai da Foz do Rio Doce, em Regência no ES, até a Foz do Rio Jequitinhonha, em Belmonte, no sul baiano.

Foi nesta região que a doutora Marília Previero iniciou, em 2014, sua pesquisa de doutorado defendida no Instituto Oceanográfico (IO) da USP em 2018. Focando em duas famílias aquáticas de peixes com alto teor comercial, os vermelhos e as garoupas, Marília conseguiu traçar o perfil situacional de como ocorre a pesca naquela região. “Encontrei um padrão e norteei minha tese. Espero que os meus resultados possam contribuir para o manejo da pesca, visto que constatei que a pesca tem afetado as populações de peixes de lá, assim como as dragagens nos estuários e a mineração”, explica.

A escolha da região ocorreu pelo fato de que Marília já conhecia a localidade. E por possuir uma pescaria muito diversificada, ela conta que surgiram muitas questões, buscando respostas por meio da sua pesquisa.

Constatações preocupam

Ao longo da tese da pesquisadora, ela faz diversas finalizações, principalmente ao final de cada um dos seus três capítulos feitos. “No geral, consegui concluir que as pescarias têm atuado em uma intensidade maior que a ideal, capturando peixes bem pequenos, que ainda não se reproduziram, e peixes grandes, que são os que poderiam repovoar a região.”

Localização do Banco de Abrolhos no litoral brasileiro com a área de estudos em vermelho (caso queira ter acesso ao mapa interativo do local, clique aqui). Imagem: Marília Previero.

Porém, não somente a questão da pesca deve ser olhada. Um outro ponto de preocupação são as outras atividades que impactam todo o ecossistema do Banco. Foi durante o período de pesquisas de Marília na região que a Barragem de Fundão da Samarco, em Mariana-MG, se rompeu em 05 de novembro de 2015. Dias depois, seus rejeitos de minério alcançam o Oceano Atlântico justamente na Foz do Rio Doce, um dos extremos do Banco.

Foi inevitável evitar que esse material chegasse ao Banco dos Abrolhos. Ao investigar as diversas atividades humanas que impactam o ecossistema do Banco dos Abrolhos, Marília pôde ver, em consultas à literatura científica disponível, que o rejeito de mineração acabou indo parar em Abrolhos. Outro exemplo de impacto apontado foram as dragagens (retirada de sedimentos em limpeza realizada, em geral, no encontro dos rios com o mar) feitas nos estuários que alimentam o banco com sedimentos.

“Constatei que a pesca não é a principal atividade que impacta o referido ecossistema. Essas outras atividades possuem um potencial de destruição muito maior. Mas, de qualquer forma, a pesca também tem suas responsabilidades e seus impactos e ela precisa ser acompanhada de perto e ter um monitoramento maior”, pondera Marília.

As seis espécies que foram base de estudo. Imagens: Marília Previero e Matheus Freitas.

Ao longo da pesquisa, a então doutoranda identificou redução na população de algumas das seis espécies estudadas: Lutjanus jocu “Dentão”, Lutjanus synagris “Ariocó” e Ocyurus chrysurus “Guaiúba” da família dos vermelhos; Cephalopholis fulva “Catuá”, Epinephelus morio“Garoupa”e Mycteroperca bonaci “Badejo”, da família das garoupas.

Dessas seis, cinco estavam mais ameaçadas pela pesca na região estudada, embora apenas duas, badejo e garoupa, tinham classificação como “vulneráveis” à época do estudo entre 2014 e 2018, seguindo critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Sistema de pesca complexo

Uma grande característica da região é a prática de uma pescaria diversificada. Ali, as pescarias ocorrem em diversas embarcações, cada uma com nomes próprios em referência ao local de origem. Também há muitas artes de pesca, além de capturas de espécies variadas e existe, também, uma grande diversidade de relação entre os pescadores.

As diversas relações entre esses profissionais têm uma especialidade e várias justificativas. “Por que que um pescador vai pescar com um parceiro e não com outro? Por que vende o pescado para um ou outro comprador? Qual o poder de barganha dos pescadores dos diferentes portos pesqueiros?”, questionou-se Marília. E essa prática é muito comum. Para alguns, inclusive, existe contrato de trabalho e outros não, pois o laço de trabalho é baseado na amizade.

Outra parte complexa desse sistema é que uma mesma embarcação utiliza mais de uma arte de pesca. “Ela pode usar uma rede, uma linha, pode ser pesca de mergulho. E assim eles capturam uma grande quantidade de espécies. E nem sempre eles desembarcam nos mesmos portos. É isso que eu chamo de sistema complexo de pesca”, constatou Previero.

Porto Barra de Caravelas, na Bahia. Imagem: Marília Previero.

Importante mercado

A região de Abrolhos é de suma importância, seja econômica, seja ecologicamente. Por ser um ambiente com diversos ecossistemas, há manguezais e espécies endêmicas, que só ocorrem na localidade. “É uma área muito importante em termos de biodiversidade, não só em peixes, mas também em corais e em diversos organismos que vivem associados aos recifes de corais, aos manguezais, estuários e demais habitats da região”, ressalta a pesquisadora do IO.

Outra especialidade é a de que o Banco dos Abrolhos é uma extensão da plataforma continental, a parte rasa do oceano, ocorrendo muitas espécies de peixes e com forte atividade comercial dentro e no seu entorno. Marília lembra que “lá, a pesca é uma atividade muito tradicional. Principalmente a de pequena escala, sendo uma atividade secular.”

Ao longo da pesquisa, foi mapeado o caminho do mercado pesqueiro na região, observando sua importância comercial. A pesca da região não abastece somente o mercado brasileiro. Foi identificado que há exportação de produtos para os EUA e Europa, alcançando consumidores finais estrangeiros.

Por causa disso, o Banco dos Abrolhos é também uma fonte de renda e alimento local, nacional e até internacional. “Por isso, trabalhar esse ecossistema como um todo faz com que se assegure com que toda biodiversidade seja mantida. Sendo benéfico tanto para as espécies quanto para as pessoas”, aponta Marília Previero.

Região ameaçada pelo petróleo

No começo de abril de 2019, o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), Eduardo Fortunato Bim, autorizou o leilão de blocos de áreas para exploração de petróleo próximo à sensível região de Abrolhos.

Durante a pesquisa de Marília, ela não havia colocado petróleo como possível impacto ambiental para a área, dado que essa não era uma preocupação iminente à época. Isso, porque a área contempla o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, sendo uma Unidade de Conservação (UC) que protege a maior biodiversidade marinha do Brasil e do Atlântico Sul. Outras UCs de uso sustentável que visam preservar os meios de vida e a cultura tradicionais, também estão presentes na região, como por exemplo a Reserva Extrativista de Cassurubá e a Reserva Extrativista Marinha do Corumbau.

“O efeito potencial de destruição de uma exploração de petróleo nessa região seria muito grande. Esse tipo de comparativo, que pode ameaçar a biodiversidade, vai necessitar de atualização contínua”, alerta Previero.

A autorização de leilão para exploração de petróleo pode trazer vários riscos para a região de maior biodiversidade marítima brasileira e do Atlântico Sul. Imagem: Wikimedia Commons.

Segundo a pesquisadora do IO, essas ameaças externas ao ambiente com poder destrutivo precisam ser muito bem manejadas, pois há muitos esforços pensando em proibir a pesca e poucos esforços para outras atividades em uma escala muito maior e sem reparação de curta e média escala. “Um exemplo seria esse possível empreendimento de petróleo e as consequências de algum erro ou falha futura”.

O leilão tem previsão para acontecer em outubro deste ano. E, mesmo que o próprio Ibama tenha dado um parecer técnico que pedia a não inclusão dessas áreas no leilão, foi decidido o contrário pela presidência. Isso acende um alerta, apesar de que o quadro ainda pode ser revertido.

“Precisamos de medidas que controlem atividades com potencial destrutivo ou com impactos negativos ao ambiente”, finaliza Marília Previero.

Compartilhe